Se você é orizicultor no Rio Grande do Sul, você sabe que a sua maior dor de cabeça, ano após ano, são as plantas daninhas. Historicamente, dois "vilões" principais limitam a produtividade: o arroz-vermelho e o capim-arroz (Echinochloa spp.).

Durante anos, lutamos essa batalha com ferramentas químicas. Mas agora, o arsenal está falhando. O uso contínuo dos mesmos herbicidas criou um cenário que os técnicos chamam de "xeque-mate agronômico": estamos perdendo a guerra química contra plantas daninhas "super-resistentes".

Este post vai "traduzir" o que está acontecendo na sua lavoura e por que a forma como manejamos o arroz precisa mudar urgentemente.

1. O Problema Original: O Arroz-Vermelho

O arroz-vermelho é o nosso "inimigo" mais antigo e complicado. O motivo?

Ele é a mesma espécie do arroz que cultivamos (Oryza sativa).

Isso significa que, no sistema convencional, era biologicamente impossível encontrar um herbicida que matasse o arroz-vermelho sem matar também a nossa lavoura. Em infestações altas, as perdas podiam passar de 80%.

2. A Revolução e o Colapso: O Sistema Clearfield® (Grupo 2)

No início dos anos 2000, veio a revolução: o Sistema Clearfield® (CL). Ele foi um divisor de águas.

Como funcionava? Cultivares de arroz (como IRGA 422 CL) tolerantes a herbicidas do Grupo 2 (Inibidores da ALS, como o Only® e o Kifix®).

O Impacto: Pela primeira vez, podíamos controlar o arroz-vermelho em pós-emergência. O sistema foi um sucesso, recuperou áreas degradadas e deu um salto de produtividade no estado.

Mas o sistema entrou em colapso. Por quê?

O motivo é o "calcanhar de aquiles" biológico da tecnologia. O sucesso levou ao uso contínuo, e isso causou uma falha dupla:

  • A Causa Principal (98,9% do problema): Fluxo Gênico.
    O arroz cultivado CL e o arroz-vermelho (que são a mesma espécie) cruzaram no campo. O pólen da cultivar CL fecundou a planta daninha. O resultado? O arroz-vermelho "herdou" o gene de tolerância. Nós, acidentalmente, demos "superpoderes" ao nosso pior inimigo, contaminando geneticamente o banco de sementes.
  • A Causa Secundária: Seleção Natural.
    O capim-arroz (Echinochloa) não cruzou, mas evoluiu. A aplicação repetida do mesmo herbicida (Grupo 2) selecionou os indivíduos de capim-arroz que já nasciam resistentes.

Em 2009, mais da metade (55,7%) das lavouras do RS já tinham arroz-vermelho resistente ao sistema CL. Hoje, esse sistema está, em grande parte, obsoleto para essa finalidade.

3. A "Super-Daninha": O Capim-Arroz Multirresistente

Enquanto o Clearfield® colapsava, um problema ainda maior crescia silenciosamente. O capim-arroz (Echinochloa spp.) estava desenvolvendo resistência não apenas a um, mas a três mecanismos de ação diferentes:

  • Resistência ao Quinclorac (Grupo 4)
  • Resistência ao ALS (Grupo 2)
  • Resistência ao ACCase (Grupo 1) - Este é o ponto crítico.

O resultado? Hoje, a orizicultura gaúcha enfrenta biótipos de capim-arroz com resistência múltipla.

O que é o Xeque-Mate? É a existência dessa "super-daninha" resistente aos Grupos 1, 2 e 4. Isso significa que a simples rotação entre os sistemas (Convencional, Clearfield® e Provisia®) não funciona mais para controlar esses biótipos.

4. O Futuro Imediato e Seus Riscos

Duas novas tecnologias principais estão no centro das atenções:

O Sistema Provisia® (Grupo 1 - ACCase)

Foi lançado justamente para ser a solução ao colapso do Clearfield®. Ele controla o arroz-vermelho e o capim-arroz resistentes ao Grupo 2.

O Perigo: Como vimos, já foram confirmados no Sul do Brasil biótipos de Echinochloa com resistência cruzada ao seu ingrediente ativo (Quizalofop). O Provisia® já nasce "criticamente ameaçado".

Loyant® (Grupo 4/O - Arilpicolinato)

Este herbicida (Florpyrauxifen-benzyl) é talvez a inovação mais importante em anos.

A Vantagem: É um mecanismo de ação novo. Ele controla um amplo espectro de daninhas, incluindo folhas largas, ciperáceas e, crucialmente, o capim-arroz multirresistente (aos Grupos 1, 2 e 4-Quinclorac).

A Importância: O Loyant® tornou-se a ferramenta "indispensável", a nossa "última chance" química para controlar esses biótipos super-resistentes em pós-emergência. Precisamos protegê-lo a todo custo.

5. O Dilema do Produtor: Frio vs. Fitotoxicidade

Para complicar, a sua decisão de manejo no início da safra cria um dilema terrível. O arroz, para sobreviver ao herbicida, usa enzimas (as P450) para "digerir" e "desintoxicar" o produto. Pense nessas enzimas como o "fígado" da planta de arroz.

O Problema: O estresse por frio (comum em semeaduras precoces) desliga esse "fígado".

A Armadilha: O manejo de água ideal para controlar daninhas é a inundação precoce (em V1). Isso sufoca as daninhas e ativa os herbicidas pré-emergentes. MAS, essa é a época de maior risco de frio.

Isto cria um dilema operacional:

  • Opção A (Inundar Cedo): Você tem um controle ótimo de daninhas (85% de eficácia), mas se vier frio, o "fígado" (P450) do arroz desliga, ele não metaboliza o herbicida (como Clomazone ou Penoxsulam) e morre por fitotoxicidade severa.
  • Opção B (Inundar Tarde): Você espera o arroz crescer (V3) e o tempo esquentar. O arroz fica seguro e sem fitotoxicidade. MAS, o controle de daninhas cai para 66%, permitindo escapes que vão reinfestar a área e selecionar mais resistência.

6. A Única Saída: O Manejo Integrado (MIPD)

A era da dependência de um único "produto mágico" acabou. A falha sequencial dos sistemas químicos prova isso. A única solução sustentável é o Manejo Integrado de Plantas Daninhas (MIPD).

O controle químico é apenas uma das ferramentas, e ela não funciona mais sozinha. O futuro depende de:

  1. Rotação de Culturas (A Prática Fundamental): Sair do sistema de arroz inundado e entrar com soja ou milho quebra o ciclo das daninhas e permite usar herbicidas diferentes (como Glifosato) para "limpar" o banco de sementes.
  2. Rotação Obrigatória de MoA (Mecanismos de Ação): Nunca, jamais, use o mesmo sistema (CL ou Provisia) em anos consecutivos na mesma área.
  3. Proteger o Loyant®: Trate esta molécula como a "joia da coroa". Use-a estritamente na dose e no momento corretos, sempre associada ao manejo da água.
  4. Manejo da Água como Ferramenta: A lâmina de água é "o herbicida mais eficiente".
  5. Prevenção (Tolerância Zero): Use Sementes Certificadas e limpe o maquinário para não espalhar sementes de plantas daninhas resistentes.

A lavoura de arroz do RS está em um ponto de inflexão. Continuar fazendo o que sempre fizemos levará ao colapso total do controle químico. O futuro exige um manejo mais complexo, integrado e inteligente.

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